Gostou do artigo? Compartilhe!

AMOR PATOLÓGICO

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie este artigo

Existem relações amorosas claudicantes, onde a pessoa que ama não deseja apenas o outro, mas deseja também o desejo do outro, o sentimento do outro...

O que é o amor? Essa é uma pergunta que vem intrigando a humanidade há séculos e, apesar de todo esse tempo, fazer amor continua sendo muito mais fácil que falar dele. Além de parecer impossível limitar a idéia de amor dentro dos limites de um conceito, corre-se o risco de se exceder no cientificismo sobre um tema que, desde sempre, nos familiarizamos em prosa e verso de forma muito mais sublime e agradável.

O amor aparece nas mais diversas áreas do pensamento humano, da poesia à imagem funcional cerebral, da mitologia à patologia, da razão para o prazer à motivação para o crime. Afirmações como "isso é amor", ou seu contrário, "não, isso não pode ser amor" oscilam ao sabor das conveniências da situação. Mas cada um sabe exatamente como está sentindo seu amor, ou lamentando a falta dele, se regozijando ou sofrendo com ele, explicando que tipo de amor é o seu, reclamando reciprocidade, exigindo cumplicidade ou ocultando o amor proibido. Talvez a única certeza que podemos ter em relação ao amor é que sobre ele parece não termos nenhum controle.

Nietzsche, grande filósofo alemão do século XIX, escreveu que "a maior parte da filosofia foi inventada para acomodar nossos sentimentos às circunstâncias adversas, mas tanto as circunstâncias adversas como nossos pensamentos são efêmeros", deduzindo, então, que pensamentos e circunstâncias passam, mas os sentimentos não. O amor é um desses sentimentos que devem ser tratados pela filosofia, principalmente porque ele parece transcender a realidade.

Acreditava, Nietzsche, que o amor chega quando se tenta desejar o bem em sua totalidade para algo. Dizia que quando amamos juntamos todas as melhores propriedades das coisas mais maravilhosas e perfeitas do mundo, e consideramos similares ao objeto amado. Com afirmações desse tipo, estapafúrdias, concluí-se que o sentimento do amor pode distorcer a representação da realidade, pode afastar a pessoa da realidade compartilhada pela maioria, tal como se tratasse de idéias supervalorizadas ou uma certa obsessão.

Sempre se distinguiram dois ou mais "tipos" de amor. Platão foi o primeiro a comentar sobre isso, em o "Banquete", definindo o "Amor Autêntico", como aquele que liberta o indivíduo do sofrimento e conduz sua alma ao banquete divino, em distinção do "Amor Possessivo", o qual persegue o outro como um objeto a devorar, possuir e sufocar.

Muito tempo depois, esta conceituação foi retomada por Immanuel Kant. Para Kant, somente o "amor-ação" é o verdadeiro amor altruísta e aceitável, uma vez que se manifesta com preocupação verdadeira e desinteressada pelo bem estar do outro, da pessoa amada. Em contra-partida, falava no "amor-paixão", egoísta e impossível de se controlar, voltado aos interesses próprios, manifestando o desatino e desprezo pelo outro. Na idéia de Kant, o amor paixão tende a satisfazer muito mais quem ama do que quem é amado (Clement, 1997).

Kant separava o "amor-afeto" e o "amor-paixão", enaltecendo um pouco mais o primeiro, sugestivo de amor romântico, do que o segundo. Além desses amores dos amantes, para Kant existe ainda o "amor-virtude". O amor-virtude seria mais ligado ao sentimento de fraternidade, ao preceito de "amar o próximo como a si mesmo". Ao menos didaticamente Kant nos parece mais interessante.

Alguns autores mais recentes acham que a atenção, carinho, zelo e cuidados em relação à pessoa amada devem ser esperados em qualquer relacionamento amoroso saudável e, por saudável, devemos entender o relacionamento que jamais proporcionará sofrimento, seja da pessoa que ama seja de quem é amado (Simon, 1982 e Fisher, 1990).

Alguns dizem que o amor é uma forte inclinação da alma para um objeto ou pessoa. Mas essa afirmação foge do critério científico, já que nesse campo nem se sabe com certeza se a alma existe, se tem inclinações, se faz escolhas...

Aliás, pode parecer redundante e pouco útil, tentar definir esse sentimento universalmente experimentado e sabido pelos seres humanos ao longo de toda sua história. Também soa estranho acreditar que o amor, lindo, engrandecedor, poético, lírico e prazeroso, cantado em verso e prosa, possa ser fonte de sofrimento. Há casos onde esse sentimento torna-se completamente obsessivo, tirano e opressivo, fanático e egocêntrico, produzindo sofrimento.

Quem sofre ou faz sofrer, contudo, não é o amor em si, mas a pessoa que desloca para o sentimento amoroso suas alterações psíquicas, seja dos traços de sua personalidade, seja de seus conflitos e complexos interiores. Não são raras as pessoas que, contrariando o bom senso e a crítica razoável, deixam tudo para viver um grande amor, aumentando perigosamente a possibilidade de serem infelizes, ainda que amando.

Aliás, parece ser tênue a separação entre a paixão e a perda da razão (desrazão), uma vez que a pessoa apaixonada costuma perder alguma porção de sua crítica e da capacidade em avaliar verdadeiramente a realidade. Quando deixa de haver controle no amor, quando se compromete a liberdade de conduta ou quando esse sentimento passa a ser absoluto e em detrimento de outros interesses e atitudes antes valorizadas, podemos estar diante de um quadro chamado Amor Patológico (Norwood, 1985). Nessa patologia do amor a obsessão em pensar seguidamente na pessoa amada faz sofrer muito, principalmente diante de tudo aquilo que dificulte, impeça ou atrapalhe a vivência de seu amor.

Segundo algumas hipóteses, é bastante provável que esse quadro de Amor Patológico possa estar associado a outros transtornos psiquiátricos, tais como quadros depressivos e ansiosos (Wang, 1995). Pensa-se também que o Amor Patológico possa ocorrer isoladamente em personalidade mais propensas e vulneráveis (Gjerde, 2004), ou ainda em pessoas com extrema baixa auto-estima, (Bogerts, 2005). Em casos mais expressivos o Amor Patológico vem acompanhado de sentimentos invasivos de rejeição, de abandono e de raiva (Donnellan, 2005).

Em psiquiatria os eventos não são binários, ou seja, não são certos ou errados, feios ou bonitos, verdadeiros ou falsos. Aqui as situações comportam graduações entre extremos, de forma que podemos ter o amor com prazer, com menos prazer, com incômodo, com um pouco de sofrimento, com muito sofrimento e até o chamado Amor Patológico.

Sobre a possibilidade de o amor ser uma das mais claras manifestações de nosso egoísmo, ou egocentrismo, Nietsche dizia que todos acreditamos querer a pessoa amada e que ao acreditar que a queremos também acreditamos que esta é a solução para todas as nossas necessidades, ou para todas as necessidades de nossos sentimentos.

Essa hipótese pode ser mais bem exemplificada quando se diz que "te amo porque você é uma maravilha (e, evidentemente, quero regalar-me com essa maravilha)". Obviamente, em seguida existe a colocação que "te necessito, eu te quero". Ou, conforme podem dizer as pessoas mais apaixonadas; "não posso mais viver sem você". Por enquanto tudo isso diz respeito ao bem estar da pessoa que ama e não, necesariamente, da pessoa amada.

Como se vê, nas questões do amor, como em tantas outras, o ponto de referência continua sendo a própria pessoa, seu bem estar emocional, sua satisfação em estar perto da pessoa amada, o conforto afetivo de se saber amada.

Eros - o amor platônico

O amor tipo Eros é o amor romântico e platônico, citado inicialmente em O Banquete, de Platão, onde se faz um elogio ao amor que se estrutura na virtude, que se mobiliza pela falta do objeto amado, pelo sofrimento.

Ao invés de platônico, talvez pudéssemos dizer amor socrático, pois, como bem mostra Maria de Lourdes Borges, através de uma fala de Sócrates, esse tipo de amor tem origens mitológicas. Na mitologia grega o amor é filho de Pênia, a pobreza, e Poros, o esperto. O filho Eros, portanto, possui características dos pais, ou seja, "pobre, rude e sujo como sua mãe, vivendo a mendigar de porta em porta" e, por outro lado, "astuto, tramando estratagemas e maquinações". Dessa forma, sendo astuto, engenhoso e ativo, o amor encontra sempre meios de transcender, até atingir o mundo das idéias, até focar-se no belo, no bom e no justo, real ou imaginário, mas verdadeiro para quem ama.

O amor platônico, tipo Eros, é um amor puro, irracional, que nos desvia para um mundo algo contraditório, algo imprudente e ousado. Este amor nos faz acreditar que amamos a pessoa porque devemos amar, faz acreditar que a pessoa amada tem as qualidades que tem porque tem, e quem ama está surdo e cego para quaisquer argumentos contrários. É um amor anti-social, que restringe a atividade humana quase exclusivamente ao próprio amor, o que faz desse amor o verdadeiro núcleo da vida, que polariza a atividade.

Insatisfação no Amor

Existem, e sempre existirão, pessoas que sofrem por não ter reciprocidade no amor. Mas neste caso não cabe uma abordagem psicopatológica. Trata-se de uma das muitas frustrações da vida humana normal.

O objetivo aqui é focalizar alguns aspectos sobre pessoas que sofrem com e por amor, através de atitudes e mecanismos emocionais patológicos, como por exemplo, os sofrimentos causados pela paranóia do ciúme patológico, os crimes passionais, a co-dependência mantida pelo amor doentio, o comportamento obsessivo, e assim por diante.

Pessoas com auto-estima empobrecida podem estar constantemente insatisfeitas com o amor, normalmente por não se sentirem tão correspondidas como desejavam, por não sentirem a reciprocidade esperada, por sentirem a ameaça do abandono, ou outros sentimentos de perda.

Existem ainda relações amorosas claudicantes, onde a pessoa que ama não deseja apenas o outro, mas deseja também o desejo do outro, o sentimento do outro e tudo o que possa estar ocorrendo na intimidade psíquica do outro. Diante da impossibilidade de nos apossarmos do sentimento alheio, a pessoa que ama sofre, pois o outro pode não estar sentindo aquilo que se deseja que sinta, pode não estar pensando justamente aquilo que se deseja que pense.

Na medida em que as pretensões de controle sobre os sentimentos da pessoa amada não são contidas, não são ponderadamente refreadas, surge uma imperiosa inclinação para a posse, para o domínio da pessoa amada. Atitudes assim fogem ao controle e escapam da razão, tendo como veículo de motivação o amor.

Os resumos de um encontro na Unicamp em torno do tema "As novas formas de sofrimento; A psicopatologia do século 21" citam a professora de teoria literária da Universidade de São Paulo, Adélia Bezerra de Menezes, para quem o sofrimento e a paixão (e o amor, creio) caminham lado a lado na literatura.

De fato, tradicionalmente na literatura, amor e paixão são sinônimos de sofrimento. Nos textos literários, principalmente nas canções de amor da Idade Média, é comum observar uma sofrível busca amorosa. No texto de Fedra a definição de amor envolve prazer e sofrimento: "Amor é tudo o que existe de mais doce e mais amargo".

Neste encontro, sobre novas formas de sofrimento, a escritora Adélia Prado amplia as relações entre a arte, a paixão e o sofrimento, retirando da sabedoria popular o elo entre dor e beleza. "Quantas vezes não ouvimos a frase: é bonito de doer". O belo também provoca angústia e, muitas vezes, a arte nasce da dor. O sofrimento na arte é representado pela dor que acompanha a criação artística.

Como veremos adiante, tudo isso contribui para tornar imprecisa a fronteira entre o prazer e a dor, entre o desejo e o sofrimento, entre o passional e o patológico. Estudando a dor humana, a teoria psicanalítica de Freud considera que o sofrimento poderia brotar de três fontes: do corpo, do mundo externo e das relações com os outros. Nesta última é onde se coloca o sofrimento do amor.

Evolução do Amor ou mudanças no Comportamento Amoroso?

As mudanças no comportamento amoroso não significam mudanças no sentimento do amor. Os índices crescentes de divórcios e separações, a fugacidade dos relacionamentos, o grande número de pessoas que moram sozinhas, homens e mulheres se casando mais tarde, a diminuição do número de filhos, maior número de famílias mantidas exclusivamente pela mulher (Jablonski, 1998; U. S. Census Bureau, 1998), são constatações que sugerem alguma mudança nas relações amorosas.

Não há dúvidas de que o comportamento amoroso mudou, talvez em decorrência das mudanças ocorridas na sociedade em geral, em decorrência da liberdade sexual ou como conseqüência da crescente preocupação hedonista das pessoas, enfim, a certeza é que o comportamento amoroso atual tem outras características.

O comportamento amoroso sofre também influências da sociedade de consumo, como se vê no excesso de comercialização do amor romântico. Usa-se do amor para vender de tudo; de pasta de dentes a jóias, de seguros de vida a cerveja. Não se produzem obras de cinema e novela onde os romances não sejam exaustivamente explorados.

Na mídia, especialmente cinema e televisão, indiferente se ela imita a vida ou vice-versa, o amor costuma ser o tema central da felicidade e, por isso, é presença obrigatória nas grandes produções, quer estejamos na pré-história ou na guerra nas estrelas. Reforçando preconceitos e fornecendo estereótipos, a mídia televisiva, cinematográfica e de imprensa enfatizam uma excessiva preocupação em se obter um relacionamento amoroso como condição primordial para se viver em sociedade.

O amor aparece na conjuntura atual como um bem desejável, uma espécie de roupa indispensável para se viver em sociedade, uma condição de se apresentar socialmente. Se a pessoa não está "amando" alguém, esse insucesso é acompanhado de sentimentos de culpa, baixa da auto-estima, depressão... Veja, por exemplo, seriados como Sex and City.

A procura por um parceiro costuma ser entendida como um destino biologicamente e emocionalmente traçado para o ser humano. Biologicamente atendendo à procriação da espécie e, emocionalmente, em atenção ao prazer que podem obter as pessoas que não querem, não precisam ou não podem mais procriar, mas, não obstante, podem amar.

Apesar desses dois destinos naturais do ser humano, o que pode ser mais bem pensado é a supervalorização desse determinismo bio-emocional, é questionar se estamos mesmos obrigados a esses grilhões platônicos a ponto de se considerar "impossível a pessoa ser feliz sozinha".

Outra peculiaridade da mídia é seu tratamento paradoxal em relação à duração do amor. Se existe nas obras literárias e de cinema um apelo para que o amor ardente ou a paixão desatada e insaciável sejam eternos, sugerindo nos finais felizes das estórias em que fulano ficou com cicrana para sempre e perdidamente apaixonados, por outro lado, nas revistas (femininas, masculinas, para adolescentes), a rotatividade dos relacionamentos é a norma. Sem dúvida, é bem verdade que as pessoas deixam se inspirar pela arte e pela mídia, a qual vende padrões de comportamento.

Em alguns casos o amor acaba sendo sinônimo de sexo, principalmente para as mulheres. Na ânsia de conquistar um lugar ao sol, ou seja, na afoiteza de ter um "amor" para poder participar da sociedade em igualdade de condições, pode ser que as concessões ao objeto "amado" aumentem muito. Nesse caso, se houve alguma mudança não foi precisamente do amor, mas sim do sexo. Antes o amor era um sólido pré-requisito para que as mulheres se relacionassem sexualmente, agora algumas tentam segurar um relacionamento permitindo sexo nos primeiros encontros, porque "se ela não ceder ao sexo, a outra o fará".

É assim que o sexo passa a ser o indicador do amor, ou seja, enquanto tiver sexo bom e empolgante, o amor existe. Essa falsa idéia é tanto das mulheres quanto dos homens. Em alguns casais, pode ocorrer de um dos parceiros se queixar de não haver mais sexo, logo, conclui não haver mais amor. Na realidade, o alarme deveria ser disparado quando não há mais beijos calorosos, é melhor saber; o amor também comporta o sexo, mas não é só o sexo.

Thays Babo e Bernardo Jablonski, psicólogos da PUC-Rio, têm um excelente trabalho intitulado: Folheando o amor contemporâneo nas revistas femininas e masculinas. Aí eles procuram analisar qual é a relação que a mídia pode ter com altos índices de insatisfação nos relacionamentos amorosos, e se ela vende a necessidade de não se estar sozinho.

Os autores constatam que enquanto o foco na imprensa feminina é no sentido de se construir uma relação unindo sexo ao amor, na masculina busca-se a variedade e excitação, deixando de lado o compromisso ou a constância. Os meios de comunicação veiculam, segundo eles, mensagem de dupla moral, estimulando homens e mulheres a adotarem objetivos de relações francamente distintos, tornando mais difícil um convívio intenso, próximo e íntimo.

Outros estudos (Prusank e Duran, 1997) que incluem revistas masculinas e femininas constataram, por exemplo, que temas como amor, sexo e casamento têm tratamentos diversos na imprensa feminina e masculina. Em ambas, entretanto, predominam artigos voltados para sexo e acusações ao sexo oposto. Nas revistas masculinas, por exemplo, é dito que as mulheres manipulam os relacionamentos usando o sexo e desempenhando papéis de certos estereótipos, nas femininas afirma-se o maior apetite sexual do homem e a superficialidade nos relacionamentos.

Sofrimento no Amor e Amor Patológico

Algumas vezes circunstâncias patológicas podem causar sofrimento no amor, circunstâncias adversas em um dos amantes tornam o relacionamento muito problemático. Entre essas alterações temos, por exemplo, O Amor Patológico, os Transtornos de Personalidade, Transtornos no Controle dos Impulsos, Transtornos Afetivos, etc. Vejamos cada um deles:

1. - Amor Patológico

Embora se reconheça absolutamente a existência do Amor Patológico, sua caracterização clínica é ainda um pouco imprecisa. Havendo associação do Amor Patológico com algum transtorno psiquiátrico, a gravidade e manutenção deste alimentaria esses relacionamentos tensos e conturbados.

Alguns autores (Donnellan, 2005) descreveram o quadro de Amor Patológico como fenômeno decorrente de transtornos ansiosos e depressivos incidindo sobre transtornos específicos de personalidades (veja Transtorno Esquizóide e Paranóide da Personalidade). Assim, em determinadas personalidades, diante de um eventual estado de estresse prolongado haveria exagerada liberação adrenérgica, predispondo a pessoa a extrema ansiedade, angústia, insegurança (entre outros fenômenos mais patológicos) favorecendo o surgimento do Amor Patológico.

Como acontece com o dependente químico, que se adere à "droga de escolha" para alívio da angústia, ansiedade, inibição psíquica, busca do prazer, o portador de Amor Patológico acredita que conseguirá tudo isso através do lenitivo proporcionado pelo "parceiro de escolha" (Eglacy, 2006).

No início do sentimento amoroso, ocorre sempre uma agradável sensação de bem estar. Mesmo que a pessoa tenha depressão, a paixão exerce um efeito estimulante capaz de proporcionar alívio da angústia e dos sintomas depressivos. Esse bem estar inicial decorre da liberação de adrenalina desencadeada pela sensação amorosa (Simon, 1982).

Ainda segundo Simon, um estudo realizado na década de 80 no New York State Psychiatric Institute constatou que o amor excessivo pode provocar no Sistema Nervoso Central um estado de euforia similar ao induzido por uso de anfetamina. Segundo esse estudo, o amor produziria uma substância intoxicante: a feniletilamina. Isso explicaria, de certa forma, o forte desejo por chocolate - que contém feniletilamina - entre os portadores de Amor Patológico, quando na ausência do companheiro.

Por essa teoria, seria a privação do objeto amado e não o amor, propriamente dito, a causa dos sintomas desagradáveis do Amor Patológico, pois, o parceiro amado traria sensação de bem estar e alívio da angústia.

E de fato, parece não ser mesmo o sentimento de amor o causador dos malefícios do Amor Patológico, mas sim o medo da pessoa ficar só, o temor de vir a ser abandonada, de não ser valorizada. Isso tudo é que origina a falta de liberdade em relação às próprias condutas, o grande desconforto emocional e submissão obsessiva da pessoa portadora de Amor Patológico.

Portanto, em termos psicológicos parece que o "defeito" da patologia do amor não é o amor em si, propriamente dito, aquele amor "da atenção, carinho, zelo e cuidados em relação à pessoa amada", citado acima. O Amor Patológico, por sua vez, parece ser descendente direto do medo, do medo egoísta de ficar só, do medo de alguém mais merecedor conquistar a pessoa amada, medo de não ter seu valor reconhecido como gostaria, de não estar recebendo o amor que acha merecido, de vir a ser abandonado (Moss, 1995). Seria, portanto, muito mais um defeito do caráter de quem "acha" que ama demais, do que do sentimento amor.

Dentro da fisiopatologia psíquica o Amor Patológico pode ser considerado como um comportamento obsessivo-compulsivo em relação ao objeto amado. Sophia, Tavares e Zilberman citam uma pesquisa realizada na Itália, que envolveu 20 pessoas que disseram estar amando recentemente (últimos seis meses), 20 com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) não medicadas e 20 normais (controles). Os resultados comprovaram ocorrer alterações neuroquímicas semelhantes no transporte da serotonina (5-HT) em portadores de TOC e de Amor Patológico. Ambos apresentaram índices significativamente inferiores aos indivíduos normais (Sophia, 2007). Outros autores pensam no Amor Patológico como um subtipo de Transtorno de Personalidade, mais precisamente, uma Personalidade Dependente (Ellis, 2002).

De modo geral, o aspecto central no Amor Patológico é o comportamento repetitivo e sem controle de prestar cuidados e atenção (desmedidos ou não) ao objeto amado com a intenção de receber o seu afeto e evitar a perda. Para o diagnóstico é importante haver carência de críticas sobre o comportamento obcecado, notadamente quando essa atitude excessiva é mantida mesmo depois das concretas evidências de estar sendo prejudicial para a sua própria vida, da pessoa amada e/ou para seus familiares.

Na realidade, parece que a alteração principal é no Ego do próprio paciente (invariavelmente inflado), que experimenta um pavor de sofrer a perda da pessoa amada, um medo gigantesco de não ser correspondido, um sentimento apavorante de ser traído, enfim, parece que a própria pessoa amada é apenas coadjuvante no relacionamento.

Classificação do Amor Patológico

Procurando o Amor Patológico dentro dos critérios e classificações psiquiátricas mais reconhecidas, para que tudo não fique no território da poesia e do romantismo, algumas pesquisas (Bogerts, 2005 – Tarumi, 2004) vêm sabiamente situando o Amor Patológico dentro do espectro dos comportamentos obsessivo-compulsivos, em relação ao parceiro.

É interessante que alguns critérios de diagnóstico para o Amor Patológico se assemelhem aos critérios empregados para o diagnóstico da Dependência ao Álcool e outras drogas, conforme o DSM.IV (American PsychiAtric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington, DC, American Psychiatric Association; 1994).

Segundo esse DSM.IV, são sete os critérios para esse diagnóstico, sendo três deles obrigatórios. Sophia, Tavares e Zilberman comparam os critérios para diagnóstico de dependência química com as características normalmente apresentadas pelos portadores de Amor Patológico, e constatam que pelo menos seis deles são comuns às duas patologias:

 

Critérios do Amor Patológico
1) Sinais e sintomas de abstinência -quando o parceiro está distante (física ou emocionalmente) ou perante ameaça de abandono, podem ocorrer: insônia, taquicardia, tensão muscular, alternando períodos de letargia e intensa atividade.
2) O ato de cuidar do parceiro ocorre em maior quantidade do que o indivíduo gostaria -o indivíduo costuma se queixar de manifestar atenção ao parceiro com maior freqüência ou período mais longo do que pretendia de início.
3) Atitudes para reduzir ou controlar o comportamento patológico são mal-sucedidas -em geral, já ocorreram tentativas frustradas de diminuir ou interromper a atenção despendida ao companheiro.
4) É despendido muito tempo para controlar as atividades do parceiro -a maior parte da energia e do tempo do indivíduo são gastos com atitudes e pensamentos para manter o parceiro sob controle.
5) Abandono de interesses e atividades antes valorizadas - como o indivíduo passa a viver em função dos interesses do parceiro, as atividades propiciadoras da realização pessoal e profissional são deixadas, como cuidado com filhos, atividades profissionais, convívio com colegas. entre outras.
6) 0 Amor Patológico é mantido, apesar dos problemas pessoais e familiares -mesmo consciente dos danos advindos desse comportamento para sua qualidade de vida, persiste a queixa de não conseguir controlar tal conduta.

 

Homens ou Mulheres sofrem mais de Amor Patológico?

Talvez o Amor Patológico seja particularmente mais prevalente na população feminina porque as queixas são mais referidas pelas mulheres. As mulheres são mais sinceras em queixarem "que sofrem com o problema", que são "obcecadas" ou "viciadas" pelo parceiro, ou que deixam de viver a própria vida para "viver pelo outro". Além disso, as mulheres costumam dar maior ênfase aos comportamentos amorosos, tais como as atividades mútuas, as ocasiões especiais, presentes, abnegação e sacrifícios pelo relacionamento.

Atualmente existem grupos de auto-ajuda trabalhando nesse tema, como é o caso do site Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), basicamente excluindo quaisquer participações masculinas. A proposta desse grupo MADA, baseada em livro do mesmo nome, é a recuperação para mulheres que têm como objetivo primordial se recuperar da dependência de relacionamentos escravizantes, destrutivos, aprendendo a se relacionar de forma saudável consigo mesma e com os outros.

O grupo MADA através de seu site transcreve aquilo que pode ser considerado as Características de Uma Mulher que Ama Demais. Em nosso caso, poderia ser aplicado aos portadores do Amor Patológico. Segundo Robin Norwood, o grupo MADA recomenda algumas características da mulher que ama demais:

 

Características da mulher que ama demais
1. Vem de um lar desajustado, em que suas necessidades emocionais não foram satisfeitas.
2. Como não recebeu um mínimo de atenção, tenta suprir essa necessidade insatisfeita através de outra pessoa, tornando-se superatenciosa, principalmente com homens aparentemente carentes.
3. Como não pode transformar seus pais nas pessoas atenciosas, amáveis e afetuosas de que precisava, reage fortemente ao tipo de homem familiar, porém inacessível, o qual tenta, transformar através de seu amor.
4. Com medo de ser abandonada, faz qualquer coisa para impedir o fim do relacionamento.
5. Quase nada é problema, toma muito tempo ou mesmo custa demais, se for para "ajudar" o homem com quem esta envolvida.
6. Habituada à falta de amor em relacionamentos pessoais, está disposta a ter paciência, esperança, tentando agradar cada vez mais.
7. Está disposta a arcar com mais de 50% da responsabilidade, da culpa e das falhas em qualquer relacionamento.
8. Sua auto-estima está criticamente baixa, e no fundo não acredita que mereça ser feliz. Ao contrário, acredita que deve conquistar o direito de desfrutar a vida.
9. Como experimentou pouca segurança na infância, tem uma necessidade desesperadora de controlar seus homens e seus relacionamentos. Mascara seus esforços para controlar pessoas e situações, mostrando-se "prestativa".
10. Esta muito mais em contato com o sonho de como o relacionamento poderia ser, do que com a realidade da situação.
11. Tem tendência psicológica, e com freqüência, bioquímica a se tornar dependente de drogas, álcool e/ou certos tipos de alimento, principalmente doces.
12. Ao ser atraída por pessoas com problemas que precisam de solução, ou ao se envolver em situações caóticas, incertas e dolorosas emocionalmente, evita concentrar a responsabilidade em si própria.
13. Tende a ter momentos de depressão, e tenta preveni-los através da agitação criada por um relacionamento instável.
14. Não tem atração por homens gentis, estáveis, seguros e que estão interessados nela. Acha que esses homens "agradáveis" são enfadonhos.

Autor

Dr Dalton Santos Maranha

Dr Dalton Santos Maranha

Psiquiatra

Especialização em Psiquiatria no(a) Universidade Estacio de Sá.